segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Luta contra (ou em função d)as drogas


A ocupação norte-americana do Afeganistão e a produção de ópio

            O início da ocupação do território afegão remonta a 2001, quando a NATO e os EUA agiram com vista a desmantelar a organização terrorista Al-Qaeda e retirar o governo talibã do poder; esta ocupação persiste até hoje.
Em 1979, o Afeganistão foi invadido por forças soviéticas: a perda de poder que daqui brotou levou ao florescimento tanto de barões da droga como das suas papoilas, utilizadas para o fabrico de ópio.
A ocupação americana do Afeganistão desencadeou um resultado semelhante: com o abalo económico que o país sentiu em 2001, não foram apenas as tropas americanas que dispararam. De facto, a produção de ópio neste país cresceu como nunca durante a ocupação americana, sendo que 90% da produção mundial de heroína tem o seu berço em terras afegãs; um relatório da UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime) aponta para um aumento de 36% da área de cultivo de papoilas de ópio em 2013. O mais interessante? Antes da ocupação americana, em 2000, o governo talibã, em colaboração com a ONU, levou a cabo uma das campanhas anti-drogas melhor sucedidas de todo o sempre, declarando a produção de ópio como uma prática não-islâmica – houve uma redução de ¾ na produção mundial de heroína na altura, com uma diminuição de 99% das culturas de papoilas de ópio nas áreas controladas pelos talibãs (se bem que este controlo era exercido de maneiras que suponho serem, no mínimo, pouco-islâmicas).
As guerras são frequentemente desencadeadas por uma sede de recursos e controlo, ou, melhor - de controlo de recursos. Como relatado pelo Global Research (organização media canadense de pesquisa independente) em 2005, «A heroína é um negócio multimilionário sustentado por interesses poderosos, o que requer um fluxo de mercadoria estável e seguro. Um dos objetivos “escondidos” da guerra foi precisamente recuperar os níveis históricos de comércio de droga patrocinado pela CIA e exercer controlo direto sobre rotas de droga.».
A meu ver, isto tira uma certa credibilidade à versão original da história atual, segundo a qual o facto de as tropas americanas estarem a patrulhar e a proteger um dos maiores cultivos de papoila do ópio no mundo se deve a um “mero” inconveniente, um mau cálculo de logística (suponho que a descoberta recente por parte das tropas americanas de depósitos minerais não explorados, no valor de 1 bilião de dólares, seja uma feliz coincidência). Com o propósito de evitar hostilidade das populações locais, para as quais o cultivo e produção de ópio constitui grande porção do rendimento, as tropas americanas patrulham campos de papoilas no Afeganistão: tudo isto de modo a prevenir rivalidades e confrontos entre o povo, os talibãs e o governo afegão. Alimentando ambos os lados, a indústria do ópio e da heroína é essencialmente um produto da guerra e um combustível para o prolongamento de conflitos.



U.S. Marines com Fox Company, 2nd Battalion, 5th Marine Regiment, Regimental Combat Team 6, patrulham um campo de papoilas durante a Operation Lariat no distrito Lui Tal, Afeganistão, 16 de Abril de 2012

Para além disto, dois relatórios recentes de agências governamentais dos EUA (Congressional Research Service e Government Accountabilty Office) afirmam que, não só o número de empreiteiros privados no Afeganistão está a aumentar consideravelmente, como o Pentágono não sabe justificar a sua estadia. Apesar de a presença americana no Afeganistão estar a ser reduzida (com a retirada planeada para 2014), David Francis do Fiscal Times argumenta que «O aumento do rácio de empreiteiros para militares é apenas mais uma indicação de que, apesar de a maioria das tropas ir deixar o Afeganistão, um exército privado continuará no país durante anos.».
Com o acordo recente que permite que os EUA deixem forças residuais e algumas bases militares no Afeganistão (bem) para lá do prazo (de 2014 para 2024), a presença americana no Afeganistão está longe de terminar.
Não é curiosa a maneira como, por um lado, os EUA encenam uma luta mundial contra as drogas, aprisionando milhões de consumidores não violentos, e por outro estão a alimentar a maior produção mundial da droga mais letal e viciante do mundo?


sábado, 16 de novembro de 2013

Carta a um Revolucionário

Tudo o que tu fazes é com um único propósito
Viver, não apenas sobreviver, a ler o Simpósio.
Sócrates, Platão, Aristóteles ou Arquimedes
Tudo se resume a uma coisa, aquilo que tu queres.
Fico horas a ouvir-te, fico estupefacto.
Aquilo que tu dizes podia ser escrito em contracto.
Tempo incerto a discutir Sartre, Rousseau ou Descartes.
Passando pelos clássicos, o amor de Vénus e Marte.
É mútua consideração,
Qual Abel, qual quê...
Lembras-me o João.
Aquela criança sem preocupações,
Toda a vida à sua frente,
Sem jogos de emoções.
A pura ingenuidade de uma jovem mente,
Um símbolo da verdade, sujeita à indecente
Forma de viver desta gente demente que só se preocupa em amealhar o seu
Não quer saber de mais ninguém, é como a Julieta esquecer o Romeu.
Chega deste sistema, infestado de problemas,
Chega destes esquemas, pára!
Apenas por um segundo vê, olha e repara.
O que há para melhorar? É tanta coisa...
Vais falar e discursar mas não há ninguém que te oiça.
Eu não quero ser melhor que ninguém,
Apenas quero viver sem dever a alguém
O meu pão do dia, a minha jola à noite,
Mas olho para o futuro e está tudo feito num oito.
Neste mundo em que a vida é uma aventura
Eu já só penso em formas de ruptura.
Está na hora de usar a cabeça,
Perceber o que nos fazem, desmanchar o jogo peça a peça.
Não se pode esperar mais, o tempo é o agora.
Acabou todo o tipo de margem de manobra.
Chega de fugir, está na hora de agir
Mantém-te pronto, a Revolução vai surgir.

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Para além da Tristeza

 Algumas coisas são dramáticas, outras intoleráveis. É dramático que um jovem licenciado não consiga arranjar emprego, que nos digam que o desemprego baixou e se esqueçam dos 120 000 desempregados que param de contar para estatística apenas porque emigraram, ou até que se pague mais de mil euros anuais para obter uma formação hoje em dia tão elementar como a licenciatura.
 É absolutamente intolerável que nos últimos dois dias, dois idosos me tenham pedido esmola. Um jovem pode emigrar ou tentar arranjar uma solução, a parvoíce do governo já é mais difícil de resolver, mas o hábito suaviza o impacto; um idoso que não tenha apoio da família não tem solução. Tem contas e renda para pagar, medicamentos que não são comparticipados e uma reforma cada vez mais curta. Pára de ser apenas uma injustiça, é um atentado aos direitos humanos e um crime. É violência gratuita.
 É desumano.
 O pior de tudo é que ainda agora começou.
 A resposta do governo é pior que indiferença, é hostilidade.
 A indiferença é nossa, e só assim se perpetua a hostilidade.
 Suponho que só a diferença quebra a hostilidade.
 Precisamos de criar uma resposta diferente. O que foi feito até agora não está a funcionar, vamos mudar?

 Não sinto tristeza, sinto impotência.