segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Pézinhos na Areia

 Há dez anos a Praia Verde era uma zona de praia pouco urbanizada e, fazendo jus ao seu nome, verde. Tinha um bar de nome ‘Pézinhos na Areia’ que fazia inveja a qualquer bar de praia. A tranquilidade reinava no cenário e os espaços verdes eram abundantes. A não ser na praia, estávamos constantemente rodeados de árvores. O que mudou desde então? Tudo.
 O meu plano era passar a tarde por esses lados, desisti após quinze minutos na zona da praia verde. A floresta vai sendo abatida a bel prazer para construir apartamentos e vivendas. Foi aberto o Infante, um edifício semelhante a um polidesportivo cuja visão assusta. Na esplanada do Infante reina a bandalheira. A meio de Outubro, num sábado solarengo, o parque de estacionamento está cheio, e dificilmente se encontra uma letra que não o ‘E’ nas matrículas dos carros. Não digo isto como uma afirmação nacionalista, mas como um apelo ao que é razoável.
 O turismo deve tentar criar circunstâncias em que quem visita convive com quem habita, até porque só assim um viajante pode apreender o que seja. Deve também respeitar a realidade que o rodeia. A Praia Verde é o negativo de tudo isso e é demonstrativo do trabalho que vai sendo feito na costa portuguesa – em primeiro lugar na lista de prioridades vem a construção, que para ser levada a cabo exige a destruição do meio envolvente; em segundo lugar, restauração de luxo que privilegie o lucro acima de tudo o resto. Não interessa a estética nem a qualidade, apenas o preço e a quantidade. Por serem destinos de excelência para o ‘novo-rico’, as populações locais estão automaticamente excluídas por não terem como pagar os preços exigidos. As pequenas joias costeiras vão, uma a uma, sendo arrancadas às suas populações para que uma elite estrangeira possa usufruir destes espaços que deveriam ser de todos.
 Gosto de restauração e de turismo, e acho que deve ser uma fonte de rendimentos num país que reúne tantas condições para tal como Portugal, mas desgosto do investimento pouco cauteloso e desenfreado que é feito por estes lados. O turismo e a restauração devem ser moderados e devem ter a capacidade de se integrar no espaço. Devem ter um espectro de ofertas mais variado e privilegiar a estética, tão importante em zonas costeiras. O bom gosto não é caro, e não deve custar caro. Estamos a construir uma costa de oásis onde o turista deve estar ‘protegido’ do residente, e onde as receitas do turismo são monopolizadas pelo investidor, porque os oásis reúnem tudo, de farmácias a supermercados, de restaurantes a habitação. Ninguém vai à cidade mais próxima fazer compras. Um bocadinho ao estilo do Club Med em Marrocos – fica-se hospedado num condomínio fechado durante uma semana, regressa-se sem ter saído dos protegidos muros do clube e até podemos afirmar que já estivemos em Marrocos e que gostámos muito das piscinas e dos gelados de framboesa que lá comemos.
 Enquanto a integração não fizer parte do vocabulário do investidor, o investimento está mal feito.

 Até o ‘pezinhos na areia’ foi re-decorado, agora é um bloco maciço de madeira com um alpendre, e seguramente já não faz inveja a bar algum...

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